Primeiramente necessitamos de perceber que a perspetiva da medicina tradicional chinesa (MTC) não é igual à perspetiva da medicina convencional. Isto não significa que sejam incompatíveis ou contrárias, apenas demonstra que são diferentes. Os termos técnicos e a própria observação sobre o corpo humano é o que as diferencia, e daí ambas apresentarem teorias funcionais distintas.
Para um ocidental, nem sempre é fácil compreender uma perspetiva orgânica que vai de encontro a uma medicina milenar oriental. Mas tudo se torna mais fácil se nos inteirarmos do vocabulário para posteriormente mergulharmos na visão oriental de uma forma mais ampla.
Na MTC, o útero (Bao) é considerado uma das seis vísceras extraordinárias. Significa “Palácio do feto” ou “Proteção da Vida”. Como sabem, os chineses são muito diretos quanto à atribuição de nomes e Bao é isso mesmo, uma conotação direta do que para eles representa a estrutura do útero.
Vamos um pouco mais longe de forma a perceber esta observação sobre a estrutura que é o útero. Se Bao significa “Palácio do Feto”, então passamos a visualizar o útero como se fosse uma residência. Tratando-se de uma residência, precisamos de garantir que toda a canalização se encontra como é devido, ou seja, que o fluxo de Chi aconteça de forma suave e fluida, sem obstruções ou ruturas. Se isto acontecer o útero apresenta todas as condições para receber o seu hóspede, ou seja, o feto/embrião.
Os problemas surgem quando falamos de um “Palácio” que apresenta danos, como por exemplo, paredes a descascar, tubagem rota ou entupida. Ninguém gostaria de se hospedar num palácio assim, certo? Ou por vezes o hóspede acaba por se acomodar, mas ao fim de algum tempo não consegue as condições necessárias para garantir a sua permanência e despede-se. Por isso é crucial realizar “obras” naquele edifício, colocar o “Palácio” em total funcionamento.
A medicina chinesa observa o útero não como uma estrutura isolada, mas como um conjunto de estruturas. Quando nos referimos ao útero, estamos na realidade a referir-nos ao útero, às trompas de falópio e aos ovários. Para que seja possível a função de reprodução, vamos um pouco mais além e falamos num eixo de órgãos: Rim, Coração e Útero. - Relembrem-se que quando falamos em órgão, na MTC, falamos da energia relativa à estrutura e não apenas da estrutura. - Podemos então chamar a este eixo: núcleo da atividade reprodutora.
Cada órgão contido no núcleo abrange funções distintas:
Coração – É o controlo do ciclo reprodutor. Abrange a mente e as funções do hipotálamo e da hipófise;
Útero – É o local onde tudo acontece. É o “Palácio”;
Rim – É responsável pelas diferentes fases do ciclo. Onde o Jing, o Yin e o Yang são armazenados e por sua vez influenciam as hormonas.
Vamos agora colocar tudo de uma forma mais prática para que seja possível identificarmos um “Palácio” com necessidade de “obras”:
Em primeiro lugar, precisamos de uma boa essência para que ocorra a produção de óvulos e isso está intimamente ligado à dieta e ao estilo de vida de cada pessoa. A nossa alimentação é crucial para este processo, assim como o próprio estilo de vida. Se ingerirmos constantemente alimentos crus como saladas e frutas, o nosso metabolismo baixa e isso prejudica a ovulação. Outro exemplo é o sushi que tem sofrido uma procura explosiva no ocidente, é também considerado alimentação fria energeticamente. E aí vocês questionam: mas os japoneses ingerem bastante sushi, porque não ficam afetados? É fácil, eles contrabalançam com alimentos como o gengibre, o wasabi, o nabo e ainda acompanham com um chá quente. Adotamos um estilo alimentar que não é o nosso, sem perceber o seu conceito e como podemos harmonizar. Esse é o primeiro erro.
Relativamente ao estilo de vida, é fácil perceber que quem tem uma vida agitada ou boémia acaba por não cuidar do seu corpo e da sua mente como é devido. Diariamente recebo pacientes que se encontram num ritmo muito acelerado e isso não lhes permite reestabelecer energias, parar para descansar, desfrutar de uma refeição equilibrada e com o devido tempo necessário para a apreciar, entre outras coisas mais. Isto leva a um desgaste contínuo de energia (Chi) e precisamos dessa energia/essência para conseguirmos um “Palácio” saudável.
Outras vezes, o problema está na nutrição do embrião através do sangue (xuè). Podemos, através de pequenas alterações, perceber um desequilíbrio no xuè, como por exemplo: quando as unhas são quebradiças, o cabelo tem tendência a ser seco e cair abundantemente, a pele apresenta-se seca e o fluxo menstrual também se mostra muito abundante ou o contrário, muito reduzido. Tudo isso são sinais de alerta para uma desregulação do xuè.
Os fatores emocionais também são muito importantes. Sentimentos como raiva, irritabilidade e mágoa lesam a energia do fígado e este órgão é de extrema importância para uma circulação de energia e sangue saudáveis. Mais uma vez, se a energia não flui, o embrião não fica bem nutrido.
Outros sinais de alerta são cólicas menstruais, tensão pré-menstrual, dores intensas no abdómen inferior, coágulos menstruais (que podem ou não evoluir para doenças como a endometriose e miomas) e metabolismo lento.
Se a mulher apresenta algum destes sintomas, podemos então considerar que o “Palácio” não apresenta todas as condições necessárias para receber e acolher o seu “hóspede”. É nesta fase que passamos à regulação através de tratamentos.
É importante também preparar o homem, para além da mulher. Embora a literatura clássica descreva a participação do homem como secundária, mas fundamental, e é no fundamental que se sustenta também o secundário.
